Foi a 9 de Março, há cem anos, que a Alemanha declarou guerra
a Portugal. No documento entregue em Lisboa por von Rosen a bofetada
internacionalmente sabida, usada à boca pequena e sobejamente conhecida além
fronteiras, foi dada, com a mão bem aberta e sem luva, na face da Nação culta:
«Governo português deu a conhecer que se considera como vassalo da Inglaterra».
Vassalo da Inglaterra e essa já tinha sido a expressão usada pelo imperador dos
Franceses havia pouco mais de cem anos quando declarou guerra a Portugal por
aqui não se cumprir o bloqueio por ele determinado.
- Isto era verdade ou uma descarada mentira para justificar o
ataque?
Infelizmente, esta era a verdade, que alguns escondiam de
quase todos e quase todos reconheciam como facto certo! A Inglaterra lidava com
Portugal, havia séculos, como se de um seu protectorado se tratasse.
A revolução republicana não foi só — e isso comprova-se
documentalmente — uma mudança de regime; foi uma intenção de mudar de postura
interna e externamente para empurrar Portugal para a modernidade de então e,
aproveitando o momento certo, fugir, sem fugir — contradição que os bons
políticos e os diplomatas experimentados sabem muito bem o que é — da tutela
humilhante da Grã-Bretanha. Era necessária a aproximação à França, também ela
uma República, para conseguir tornear as grilhetas impostas pela Inglaterra.
É isto que justifica, desde o início do conflito armado na
Europa, o desejo de beligerância mostrado e exaltado por Afonso Costa e
praticado por uma parte significativa do Partido Democrático; houve outra que,
por incapacidade mental e falta de elasticidade intelectual, política e
estratégica, não compreendendo o objectivo supremo do chefe partidário,
todavia, o acompanhou.
Este era um assunto tão melindroso que dele não se podia
falar nos jornais nem nos discursos políticos; tinha de ser compreendido por
explicação discreta. Mas bastava a quem da política tivesse uma clara visão
para perceber que Afonso Costa não agia de forma a levar Portugal à guerra em
consequência de mero imperativo de vontade sem sentido. Isso era tão estúpido
que só na cabeça dos broncos analfabetos, despolitizados e embrutecidos pela
acção de caciques e de um clero revoltado, podia ter sustentação. E em Portugal
abundava essa gente, porque, como salta imediatamente à vista, a Monarquia
obscurantista, terratanente e oportunamente católica, assim fazia para melhor
ter dominada a população maioritária dos campos e das pequenas vilas e cidades
rurais. E para se provar que foi exactamente assim, basta recordar que os
republicanos proliferaram, antes da proclamação da República, nas grandes
cidades e junto da pequena e média burguesia. A aldeia e a vila foram sempre
católicos, supostamente monárquicos, porque dominados pelo clero conluiado com
os agrários e os caciques locais.
Ora, é isto que não se entende que certos historiadores —
nomeadamente António José Telo — não percebam como fundamento do desejo da
beligerância nacional, que se concretizou a 9 de Março de há cem anos. E mais
grave do que eles não perceberem é levarem o alimento a gente que não tem
cultura histórica para perceber o que acima deixei dito, pois, ao fazê-lo,
socorrem-se da argumentação usada no período fascista da nossa História para
condenar a 1.ª República através da condenação do Partido Democrático e da ala
política mais progressista dos republicanos. Consciente ou inconscientemente
estes historiadores estão a ajudar ao branqueamento do Estado Novo, empurrando
para a 1.ª República as causas das desgraças nacionais.
Isto não é fazer História! É fazer crítica anacrónica com
fins obscuros que, até, se podem fixar somente na necessidade individual de ser
diferente. Mas o mais grave é que esta historiografia encontra eco junto de
entidades oficiais que, com forte dose de ignorância — a beligerância nacional
na Grande Guerra teve muito poucos historiadores depois de 1974, porque, antes
desse ano, nem se estudava ou dela falava com um mínimo de profundidade —
aceitam verdades que são distorcidas e classificam de pluralismo académico!
O pluralismo académico faz-se levando mais longe a explicação
dos factos e não através da crítica dos actores, usando o anacronismo. Que se
expliquem e aprofundem as razões dos anti-beligerantes, mas partindo da razão
profunda que levou Portugal à guerra! Isso é fazer História. Negar as razões da
época — 1914-1917 — procurando fundamentar a beligerância em erros — como o fez
e faz António José Telo (vd. Comunicação final do Colóquio de História Militar
levado a cabo pela Comissão Portuguesa de História Militar, em 2014, publicada
nas respectivas Actas) é distorcer, é alterar, e corromper, a partir de alguns
factos verdadeiros, a verdade da História.
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