quarta-feira, 9 de março de 2016

No dia do centenário: Historiadores ou críticos?


Foi a 9 de Março, há cem anos, que a Alemanha declarou guerra a Portugal. No documento entregue em Lisboa por von Rosen a bofetada internacionalmente sabida, usada à boca pequena e sobejamente conhecida além fronteiras, foi dada, com a mão bem aberta e sem luva, na face da Nação culta: «Governo português deu a conhecer que se considera como vassalo da Inglaterra». Vassalo da Inglaterra e essa já tinha sido a expressão usada pelo imperador dos Franceses havia pouco mais de cem anos quando declarou guerra a Portugal por aqui não se cumprir o bloqueio por ele determinado.

- Isto era verdade ou uma descarada mentira para justificar o ataque?
Infelizmente, esta era a verdade, que alguns escondiam de quase todos e quase todos reconheciam como facto certo! A Inglaterra lidava com Portugal, havia séculos, como se de um seu protectorado se tratasse.
A revolução republicana não foi só — e isso comprova-se documentalmente — uma mudança de regime; foi uma intenção de mudar de postura interna e externamente para empurrar Portugal para a modernidade de então e, aproveitando o momento certo, fugir, sem fugir — contradição que os bons políticos e os diplomatas experimentados sabem muito bem o que é — da tutela humilhante da Grã-Bretanha. Era necessária a aproximação à França, também ela uma República, para conseguir tornear as grilhetas impostas pela Inglaterra.

É isto que justifica, desde o início do conflito armado na Europa, o desejo de beligerância mostrado e exaltado por Afonso Costa e praticado por uma parte significativa do Partido Democrático; houve outra que, por incapacidade mental e falta de elasticidade intelectual, política e estratégica, não compreendendo o objectivo supremo do chefe partidário, todavia, o acompanhou.

Este era um assunto tão melindroso que dele não se podia falar nos jornais nem nos discursos políticos; tinha de ser compreendido por explicação discreta. Mas bastava a quem da política tivesse uma clara visão para perceber que Afonso Costa não agia de forma a levar Portugal à guerra em consequência de mero imperativo de vontade sem sentido. Isso era tão estúpido que só na cabeça dos broncos analfabetos, despolitizados e embrutecidos pela acção de caciques e de um clero revoltado, podia ter sustentação. E em Portugal abundava essa gente, porque, como salta imediatamente à vista, a Monarquia obscurantista, terratanente e oportunamente católica, assim fazia para melhor ter dominada a população maioritária dos campos e das pequenas vilas e cidades rurais. E para se provar que foi exactamente assim, basta recordar que os republicanos proliferaram, antes da proclamação da República, nas grandes cidades e junto da pequena e média burguesia. A aldeia e a vila foram sempre católicos, supostamente monárquicos, porque dominados pelo clero conluiado com os agrários e os caciques locais.

Ora, é isto que não se entende que certos historiadores — nomeadamente António José Telo — não percebam como fundamento do desejo da beligerância nacional, que se concretizou a 9 de Março de há cem anos. E mais grave do que eles não perceberem é levarem o alimento a gente que não tem cultura histórica para perceber o que acima deixei dito, pois, ao fazê-lo, socorrem-se da argumentação usada no período fascista da nossa História para condenar a 1.ª República através da condenação do Partido Democrático e da ala política mais progressista dos republicanos. Consciente ou inconscientemente estes historiadores estão a ajudar ao branqueamento do Estado Novo, empurrando para a 1.ª República as causas das desgraças nacionais.

Isto não é fazer História! É fazer crítica anacrónica com fins obscuros que, até, se podem fixar somente na necessidade individual de ser diferente. Mas o mais grave é que esta historiografia encontra eco junto de entidades oficiais que, com forte dose de ignorância — a beligerância nacional na Grande Guerra teve muito poucos historiadores depois de 1974, porque, antes desse ano, nem se estudava ou dela falava com um mínimo de profundidade — aceitam verdades que são distorcidas e classificam de pluralismo académico!

O pluralismo académico faz-se levando mais longe a explicação dos factos e não através da crítica dos actores, usando o anacronismo. Que se expliquem e aprofundem as razões dos anti-beligerantes, mas partindo da razão profunda que levou Portugal à guerra! Isso é fazer História. Negar as razões da época — 1914-1917 — procurando fundamentar a beligerância em erros — como o fez e faz António José Telo (vd. Comunicação final do Colóquio de História Militar levado a cabo pela Comissão Portuguesa de História Militar, em 2014, publicada nas respectivas Actas) é distorcer, é alterar, e corromper, a partir de alguns factos verdadeiros, a verdade da História.

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