É indiscutível que a beligerância portuguesa resultou de um
pedido da Grã-Bretanha para Portugal requisitar os navios alemães e austríacos
surtos em portos nacionais, desde o começo da guerra, ao abrigo de uma
neutralidade que não existia formalmente, pois bastas vezes foi ferida por
solicitações — quase exigências — feitas por Londres a Lisboa, capazes de
tornar beligerante o Aliado.
Claro, pode questionar-se se este pedido foi ou não forçado
pelo Governo português e se a beligerância dele resultante foi ou não provocada
pela vontade política de Portugal. E, se colocarmos deste modo singelo a
questão, a resposta às duas perguntas só pode ser afirmativa. Todavia, ficar
por aqui, no que toca à beligerância nacional e à sua motivação, é tão primário
que jamais qualquer historiador, desejoso de contar e explicar a verdade, o
faria. Esta explicação é a que se dá a níveis primários do conhecimento; nunca
a que deve figurar numa obra dedicada à participação de Portugal na Grande
Guerra. Mas, António José Telo, na comunicação de encerramento do XXIII
colóquio de História Militar, em 2014, parece desejoso de conter a justificação
a este patamar e, por isso, afirma ser esse o terceiro erro da historiografia
recente e oficial da participação na Grande Guerra — «Pensar que a beligerância
resulta de um pedido do Aliado»! Naturalmente, entrou em pormenores
justificativos da sua tomada de posição.
Onde se centra, então, toda a explicação do erro atribuído
por Telo à historiografia oficial e recente?
Para começar, é ele quem cai no mais primário e elementar
erro de análise: coloca a decisão da beligerância portuguesa sempre fora de Portugal
e nunca dentro do país e, quando vagamente se refere à situação interna
centraliza-a na disputa entre aqueles que designa por guerristas e
anti-guerristas.
É primário — quase podendo denunciar nele a existência do
sentimento anti-História e pró-ideologia que diz nortear alguns dos
historiadores actuais — não perceber ou tentar levar a que não se perceba ser a
opção de beligerância um assunto essencialmente interno e só externo se existir
uma concordância interna. A título de mero exemplo, e para que se perceba o
alcance do meu ponto de vista, leve-se em atenção a atitude de Oliveira
Salazar, na 2.ª Guerra Mundial, quando estava a ser pressionado, pelo Governo
britânico, a ceder bases aéreas nos Açores, só optando por fazê-lo quando lhe
pareceu oportuno e conveniente ao interesse português. E disto António José
Telo sabe bastante! Acresce que nem se pode dizer ser anacrónico o conceito de
interesse nacional, pois bastas vezes foi utilizado em discursos parlamentares
por Afonso Costa. Podia, até, em 1914, não ser conhecido ou verbalizado o
conceito de Estratégia Nacional, no entanto, ele é um daqueles que pré-existe
ao seu enunciado, pois está intimamente ligado às movimentações políticas de
todo e qualquer governo, no plano interno e externo, para garantir os fins do
Estado.
António José Telo vai, afinal, concentrar a sua argumentação
demonstrativa do erro que tão originalmente enuncia na satisfação dos
interesses nacionais da Grã-Bretanha e da França! Não tem pejo de qualquer
natureza em escrever: «Significa isto que a beligerância portuguesa não se
decide meramente entre guerristas e anti-guerristas nacionais. Ela decide-se
sobretudo numa luta diplomática entre a Grã-Bretanha e a França, a primeira
apoiando os aliados anti-guerristas e a segunda incentivando os seus aliados
guerristas.»
Não passa na cabeça de António Telo que possa ser
exactamente o contrário disto que afirma? Ou seja, os intervencionistas
buscarem apoios junto dos Franceses e os não intervencionistas procurarem-nos
juntos dos Britânicos e, até, entre os Alemães?
Há documentação que prova bons contactos de monárquicos com
autoridades germânicas radicadas em Espanha depois de 1916.
A ânsia de ver a beligerância como uma obcecação de Afonso
Costa leva António José Telo a desprezar indícios claros da verdade histórica!
Não ponho em dúvida que no War Office as tropas portuguesas
fossem olhadas como pouco valiosas do ponto de vista táctico. Todavia, embora
sem conhecimento dessa documentação, quase aposto, ela é datada de 1914 ou
início de 1915, quando se previa ainda a hipótese de o conflito militar ter uma
curta duração temporal. Mas António Telo esquece de referir que o Governo de
Sua Majestade Britânica, desprezando o valor militar dos soldados portugueses,
insistia junto de Lisboa para que fosse autorizado o recrutamento de
trabalhadores nacionais para substituir os seus operários transformados em
soldados! Isto ele não diz! Não diz, porque assim ficava bem evidenciado o
papel subalterno que Portugal ocupava junto do Governo de Londres. Era a
prevalência do interesse nacional britânico perante o interesse nacional
português!
Era desta forma que se dignificava Portugal no concerto
aliado? Era assim que a soberania portuguesa se tornava parelha da britânica na
ordem externa entre aliados e adversários?
António José Telo parece estar mais interessado em explicar
e contar as razões portuguesas, olhando Portugal a partir de Londres e, até, do
Quartel-General Britânico em França, usando óculos britânicos, do que dar aos
Portugueses de hoje as razões nacionais para a beligerância e, mais ainda, os
obstáculos internos e externos que tiveram de ser vencidos para, por momentos,
em 1916 e 1917, Portugal ser olhado com a grandeza que lhe cabia de direito por
ser um Estado independente e soberano. Grandeza perseguida pelos republicanos
radicais, chefiados por Afonso Costa, desde a existência do Governo Provisório
da República, entre o final de 1910 e 1911.
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