sexta-feira, 18 de março de 2016

A beligerância e o pedido britânico


É indiscutível que a beligerância portuguesa resultou de um pedido da Grã-Bretanha para Portugal requisitar os navios alemães e austríacos surtos em portos nacionais, desde o começo da guerra, ao abrigo de uma neutralidade que não existia formalmente, pois bastas vezes foi ferida por solicitações — quase exigências — feitas por Londres a Lisboa, capazes de tornar beligerante o Aliado.
Claro, pode questionar-se se este pedido foi ou não forçado pelo Governo português e se a beligerância dele resultante foi ou não provocada pela vontade política de Portugal. E, se colocarmos deste modo singelo a questão, a resposta às duas perguntas só pode ser afirmativa. Todavia, ficar por aqui, no que toca à beligerância nacional e à sua motivação, é tão primário que jamais qualquer historiador, desejoso de contar e explicar a verdade, o faria. Esta explicação é a que se dá a níveis primários do conhecimento; nunca a que deve figurar numa obra dedicada à participação de Portugal na Grande Guerra. Mas, António José Telo, na comunicação de encerramento do XXIII colóquio de História Militar, em 2014, parece desejoso de conter a justificação a este patamar e, por isso, afirma ser esse o terceiro erro da historiografia recente e oficial da participação na Grande Guerra — «Pensar que a beligerância resulta de um pedido do Aliado»! Naturalmente, entrou em pormenores justificativos da sua tomada de posição.

Onde se centra, então, toda a explicação do erro atribuído por Telo à historiografia oficial e recente?
Para começar, é ele quem cai no mais primário e elementar erro de análise: coloca a decisão da beligerância portuguesa sempre fora de Portugal e nunca dentro do país e, quando vagamente se refere à situação interna centraliza-a na disputa entre aqueles que designa por guerristas e anti-guerristas.
É primário — quase podendo denunciar nele a existência do sentimento anti-História e pró-ideologia que diz nortear alguns dos historiadores actuais — não perceber ou tentar levar a que não se perceba ser a opção de beligerância um assunto essencialmente interno e só externo se existir uma concordância interna. A título de mero exemplo, e para que se perceba o alcance do meu ponto de vista, leve-se em atenção a atitude de Oliveira Salazar, na 2.ª Guerra Mundial, quando estava a ser pressionado, pelo Governo britânico, a ceder bases aéreas nos Açores, só optando por fazê-lo quando lhe pareceu oportuno e conveniente ao interesse português. E disto António José Telo sabe bastante! Acresce que nem se pode dizer ser anacrónico o conceito de interesse nacional, pois bastas vezes foi utilizado em discursos parlamentares por Afonso Costa. Podia, até, em 1914, não ser conhecido ou verbalizado o conceito de Estratégia Nacional, no entanto, ele é um daqueles que pré-existe ao seu enunciado, pois está intimamente ligado às movimentações políticas de todo e qualquer governo, no plano interno e externo, para garantir os fins do Estado.

António José Telo vai, afinal, concentrar a sua argumentação demonstrativa do erro que tão originalmente enuncia na satisfação dos interesses nacionais da Grã-Bretanha e da França! Não tem pejo de qualquer natureza em escrever: «Significa isto que a beligerância portuguesa não se decide meramente entre guerristas e anti-guerristas nacionais. Ela decide-se sobretudo numa luta diplomática entre a Grã-Bretanha e a França, a primeira apoiando os aliados anti-guerristas e a segunda incentivando os seus aliados guerristas.»
Não passa na cabeça de António Telo que possa ser exactamente o contrário disto que afirma? Ou seja, os intervencionistas buscarem apoios junto dos Franceses e os não intervencionistas procurarem-nos juntos dos Britânicos e, até, entre os Alemães?
Há documentação que prova bons contactos de monárquicos com autoridades germânicas radicadas em Espanha depois de 1916.
A ânsia de ver a beligerância como uma obcecação de Afonso Costa leva António José Telo a desprezar indícios claros da verdade histórica!

Não ponho em dúvida que no War Office as tropas portuguesas fossem olhadas como pouco valiosas do ponto de vista táctico. Todavia, embora sem conhecimento dessa documentação, quase aposto, ela é datada de 1914 ou início de 1915, quando se previa ainda a hipótese de o conflito militar ter uma curta duração temporal. Mas António Telo esquece de referir que o Governo de Sua Majestade Britânica, desprezando o valor militar dos soldados portugueses, insistia junto de Lisboa para que fosse autorizado o recrutamento de trabalhadores nacionais para substituir os seus operários transformados em soldados! Isto ele não diz! Não diz, porque assim ficava bem evidenciado o papel subalterno que Portugal ocupava junto do Governo de Londres. Era a prevalência do interesse nacional britânico perante o interesse nacional português!
Era desta forma que se dignificava Portugal no concerto aliado? Era assim que a soberania portuguesa se tornava parelha da britânica na ordem externa entre aliados e adversários?

António José Telo parece estar mais interessado em explicar e contar as razões portuguesas, olhando Portugal a partir de Londres e, até, do Quartel-General Britânico em França, usando óculos britânicos, do que dar aos Portugueses de hoje as razões nacionais para a beligerância e, mais ainda, os obstáculos internos e externos que tiveram de ser vencidos para, por momentos, em 1916 e 1917, Portugal ser olhado com a grandeza que lhe cabia de direito por ser um Estado independente e soberano. Grandeza perseguida pelos republicanos radicais, chefiados por Afonso Costa, desde a existência do Governo Provisório da República, entre o final de 1910 e 1911.

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