segunda-feira, 23 de março de 2015

Como eram os “Serranos”

(Blog "APC -Gorgeios)



Se “Serranos” eram os soldados de Portugal que estiveram na frente de combate na Flandres francesa, durante a Grande Guerra, dá vontade de perguntar e dizer:
— Como eram os “Serranos”? Queremos conhecê-los!
Pois bem, já que os chamei ao presente, cabe-me apresentá-los.

Não vou começar pelos soldados já fardados e prontos a entrar em combate! Começarei pelos mancebos antes ainda de assentarem praça.
“Serranos” eram todos os jovens dessas aldeias do nosso país, que iam do Norte ao Sul, que estavam em serras, planaltos ou planícies. Igualava-os meia dúzia de traços muito profundos: o grande amor ao seu rincão natal, à sua aldeia, ao seu lugar e à sua vila, nos casos mais raros; uma enorme inocência da vida, que lhes dava uma candura total: acreditavam sem desconfiança no senhor padre, no senhor regedor, no rendeiro, no patrão, na autoridade desde que lhe falasse verdade ou que lhe falasse aquilo que julgavam verdade; a enorme capacidade de trabalho, rondando a dádiva total a troco de muito pouca coisa; o analfabetismo quase absoluto; a rudeza de carácter numa alma de criança endurecida pelos tratos da vida; uma fé inocente, girando a mera crendice, na religião, que começava a ser ensinada enquanto mamava o leite materno; uma força física, que não encontrava explicação no corpo franzino; mas, depois, nos antípodas destes traços dominantes, existia nesse jovem, que qualquer peralvilho da cidade de Lisboa ou do Porto achava ignaro e bronco, uma fúria inimaginável quando se sentia enganado, ludibriado e enxovalhado na sua honra simplória! Era uma fúria que lhe trazia, conforme a região do país, para as mãos, armas perigosíssimas, do varapau ao cajado, da enxada à navalha, a capacidade de matar sem remorso, de ferir sem compaixão, porque a justiça corria-lhe nas veias a par do sentido dos valores, que não tinham reviravoltas, porque vertical e inamovível era a sua postura na vida.

Este jovem sem artifícios, liso e duro como uma pedra de basalto polido, ao assentar praça, no regimento da cidade mais próxima da sua aldeia natal, ia aprender a ser soldado — orientando todos os seus valores para a entrega mais pura que pode haver aos seus graduados: os cabos, os sargentos e, no topo de todos, os seus oficiais a quem respeitava com sinais de verdadeira veneração — também, com os outros, os soldados mais antigos e conhecedores dos segredos das urbes maiores, as diferentes maneiras de se aproximar das mulheres, perdendo muita da inocência que dá forma à Natureza, para ganhar toda a ratonice que prolifera nos agregados sociais onde, a cada esquina da vida, há enganos e armadilhas; ia trazer para o “cosmopolitismo” possível da capital da província o seu olhar de águia desconhecedora de que há quem viva da simplicidade alheia e da distracção posta na caçada pela sobrevivência. Ele aprendia rápido, porque, iletrado, não era lerdo!
No quartel tinha veneração pelos mais graduados de todos os graduados e a palavra do “nosso” capitão tinha a força da do pai que deixara na aldeia — ele mesmo lho dissera, na hora da despedida! — e a do comandante só tinha comparação à de Moisés, quando descendo o monte Sinai, transportava as tábuas da Lei dadas por Deus!
Foi com estes homens que Portugal entrou na Grande Guerra. O seu retrato está traçado em cada folha de papel velho do velho arquivo que veio de França e em cada página dos relatórios escritos pelos oficiais, e por eles deixados para a História que há muitos anos fui desenterrando com carinho e cautela, pois a exumação dá vida, uma frágil vida, aos sentimentos e permite-nos antever os rostos desses jovens de repente trasladados para a maior carnificina que, até ao seu tempo, jamais tinha acontecido. Não se pode mexer nesses papéis com a frieza do cientista asséptico e descaracterizado de humanidade… Isso ofende-lhes a alma, que ainda paira viva sobre as letras desgastadas pelo tempo!

Este “Serrano”, depois de um século, depois da influência dos meios de comunicação e das facilidades de conhecer o mundo mesmo fechado na velha casa da quase deserta aldeia, já não existe entre nós! Eu tive a felicidade de conhecer as últimas espécies que serviram nas fileiras das nossas Forças Armadas. Esse Portugal e esses Portugueses foram engolidos pela globalização lenta ainda no começo dos anos sessenta do século passado e célere, muito célere, no final da centúria.

É sobre estes homens que eu vou continuar a escrever. Foi para estes homens que se construíram, por esse País fora, monumentos aos mortos da Grande Guerra.

quarta-feira, 18 de março de 2015

Do Ultimato para a Grande Guerra




Poderá parecer quase disparatado invocar o ultimato inglês de 1890, mandado ao Governo de Portugal, para o ligar à Grande Guerra e à disparidade de posições políticas adoptadas entre nós quanto à participação no conflito bélico. Contudo, o disparate desfaz-se em poucas palavras, carecendo só de ser explicado.

Recordemos o quanto foi traumática, no começo da última dezena de anos do século XIX, para os cidadãos politicamente conscientes, a atitude da Grã-Bretanha a propósito da intenção de Portugal reivindicar para si uma parcela de território africano, que já Londres considerava sua, por direito de ocupação anterior. O brutal aviso feito pelo Governo de Sua Majestade Britânica ao seu mais que fraco aliado correspondeu não só à ofensa que um amigo faz a outro quando o ameaça de retaliações incapazes de suportar como, também, à impudica atitude de prometer pancada a quem jamais terá corpo, cara, físico para aguentar um mínimo encontrão! Mais do que a ameaça, em Portugal sentiu-se a pequenez miseranda a que se havia chegado quatrocentos anos depois de se ter dividido, com a Espanha, em duas metades, o poder de ocupar o planeta Terra naquilo que era desconhecido da, então, ainda limitada Inglaterra. A população com alguma ilustração intelectual acordou espavorida perante a humilhante atitude de uma Grã-Bretanha impante e poderosa da sua capacidade industrial e da incomparável máquina comercial, que levava a todo o mundo os produtos fabricados pelos seus mais que explorados operários. Não foi uma bofetada dada com luva de pelica calçada, mas um burro boçal, que acertou em cheio na parte nevrálgica de um Estado que, empenhado e falido, se debatia para ainda se apresentar na Europa e no mundo com alguma dignidade, escondendo sob a casaca puída os andrajos impostos por incapacidades e faltas inultrapassáveis.
Foi tão forte o sentimento que, entre outras reacções anti-britânicas, se compôs um hino de revolta inspirado nos valores passados e apelando para a força anímica de um Povo, supunha-se, capaz de sobrepujar, apoiado na coragem, as desditas da miséria. E também se deixou de ensinar nos liceus o idioma inglês! Se havia já na época fundamentos para desconfiar da honestidade de princípios da Inglaterra, eles avolumaram-se, levando a que à velha aliada se lhe chamasse Pérfida Albion, repescando assim a designação criada, no século XVIII, pelo poeta e diplomata francês de origem aragonesa Augustin Louis Marie de Ximénès, morto em 1817.

E não eram vãs as suspeições, pois, em 1898, com restrito conhecimento nos meios diplomáticos e políticos nacionais, Londres e Berlim, a troco da redução ou paragem do programa germânico de construção de uma poderosa marinha de guerra, se amanhou a partilha das mais ricas colónias africanas portuguesas acobertada armadilha por um volumoso empréstimo financeiro a ceder pelos bancos britânicos e alemãs ao carecido Portugal. Salvou-nos do esbulho a França, então, ainda não entendida com a Grã-Bretanha.

Mas que herança receberam os políticos nacionais para, em 1914, quando a Grande Guerra começou na Europa, ligarem o já temporalmente distante Ultimato ao recente conflito militar?
A resposta obtemo-la hoje se nos debruçarmos atentamente sobre as biografias desses homens e lhe fixarmos as idades! Muitos deles tinham vinte anos, um pouco menos ou um pouco mais, quando a Inglaterra ofendeu gravemente a honra de um Portugal quase sempre submisso perante a grandeza britânica. E esses homens transportavam ainda na memória a dor do boçal murro mais semelhante ao coice de uma besta sem outro merecimento do que o de estar bem ajaezada e alimentada para servir os gordos capitalistas desse reino tão perverso quanto manhoso. Infelizmente, diz-se entre nós, a memória é sempre curta quando a falta de vergonha é sempre grande. Daí que, para bastantes Portugueses, a lembrança do Ultimato se lhes tenha varrido como se um conveniente ciclone lhes tivesse desmanchado os arrumos da lembrança.

Há sempre gente pronta a esquecer quando lembrar não é conveniente!

segunda-feira, 16 de março de 2015

“Guerristas” e “Antiguerristas”


Mal se iniciaram as primeiras operações militares na Europa já em Portugal se tinham dividido as opiniões sobre a entrada na guerra. E logo se chamaram de “Guerristas” os que dela fizeram a apologia, invocando a necessidade do País assumir uma posição beligerante e de “Antiguerristas” os que se lhe opunham. Curiosamente, colou-se a estes últimos um outro labéu: germanófilos. E sê-lo-iam? Para dar uma resposta em consciência e apoiada em informação fidedigna, devo dizer que poucos, muito poucos — embora muito activos — deveriam ser aqueles que, na realidade, desejavam a vitória da Alemanha. Nestes podemos contar os monárquicos simpatizantes e apoiantes da causa dos descendentes de D. Miguel I.
Então quem eram os “Antiguerristas”?
Antes de se colarem rótulos, sou de opinião que devemos aceitar aqueles que a si mesmo como tal se identificavam e, nesse domínio, só a corrente anarco-sindicalista, e nem toda, se declarava contra a guerra. Os restantes eram “Antiguerristas”, porque recusavam o envolvimento de Portugal na frente ocidental, onde já lutavam as forças militares britânicas.

Há, neste tempo de comemoração de centenário, quem venha branquear os “Antiguerristas” querendo-os separar em dois grupos: os que, de todo em todo, recusavam a beligerância e os que a aceitavam em África, defendendo as colónias nacionais que faziam fronteira com as que eram de posse alemã.
Quanto a mim, trata-se de tentar enganar a interpretação correcta que se deve fazer da situação. De facto, toda a gente sabia que os destinos dos territórios coloniais portugueses seriam discutidos se o Governo de Lisboa não marcasse presença onde era importante e imprescindível fazê-lo: na frente operacional europeia! Nas trincheiras do Ocidente. Todos os restantes teatros de operações eram secundários em relação a esse que colocava em risco a sobrevivência da França e da Bélgica. Era a vitória ou a derrota na Europa quem ditaria destinos no resto do mundo. E disto toda a gente ilustrada e informada começou a aperceber-se ainda no ano de 1914, quando as frentes se imobilizaram e a guerra de movimento deu lugar a uma guerra de sítio onde os cercados também cercavam.

Brito Camacho, o líder dos Unionistas, o mais conservador dos partidos republicanos, enchia a boca e as páginas do seu jornal, proclamando a vontade de combater nas colónias, se tal fosse preciso, para defender a integridade territorial portuguesa! E quem é que pretendia enganar, já que sendo experiente na política não devia estar ele mesmo enganado? Todos os que, por comodidade ou poltronaria, desejavam afastar a possibilidade de combater em França, colocando a vaga hipótese de alguma vez a Alemanha, por causa de ocupar as colónias nacionais, declarar guerra a Portugal e as invadir! Ora, vão mangar com outros, porque debaixo da roupagem do medo, deixando um grande rabo de fora, estavam estes “Antiguerristas”, que alguns historiadores de agora querem desprender do rótulo, que muito bem lhes foi preso nas costas e nas frentes das casacas então ainda em uso!
São disfarces para poderem julgar e atacar a causa dos “Guerristas” que, estrenuamente, perceberam os intrincados laços de uma política externa nacional que manietava a jovem República portuguesa. Eles sabem, mas escolhem, um atrás de outro, os argumentos que coloquem, historicamente, em má posição todos quantos tomaram o novo regime político como único motor capaz de romper com o conservadorismo comodista que campeava em Portugal havia já, então, mais de três dezenas de anos.

Tenhamos a coragem de explicar, de verdade, a verdade da situação nacional.

domingo, 15 de março de 2015

Capacidade militar em 1914

(Soldado português: Armando Boaventura, 1919) 

Tenho lido e ouvido argumentar, com base na fraquíssima capacidade militar de Portugal, em 1914, o quanto foi inapropriada a beligerância nacional na Grande Guerra. Essa incapacidade, no dizer dos que entendem errada a entrada no conflito, no teatro europeu, deveria ter sido suficiente para motivar os governantes e toda a classe política a aceitar aquele estatuto ambíguo e equívoco — não neutral e não beligerante —, que a Inglaterra havia solicitado, sob a forma de imposição, ao Governo Bernardino Machado, em Agosto do ano inicial da guerra.
Na minha opinião, esta é uma das mais levianas análises da política externa portuguesa de há cem anos. De há cem anos, como poderia ser de agora!

É verdade que a República havia herdado da Monarquia um Exército quase só apropriado para colorir certos actos públicos, reprimir qualquer desordem interna, combater as hordas africanas que se não submetessem ao domínio colonial português e pouco mais, pois até, para garantir a sobrevivência da independência nacional face a qualquer aventura espanhola, ele teria pouca eficácia. Sendo verdade, parece estulta a minha posição crítica perante a argumentação desses historiadores, que proclamam o erro da beligerância! Mas não é! Vejamos.

Tal como nas famílias, há momentos em que os Estados têm de empenhar o presente e futuro para garantir uma continuidade razoavelmente digna nesse mesmo futuro. Nessas circunstâncias há que não olhar a sacrifícios, dando força a tudo e a todos que a não têm. Nessas circunstâncias, como em quase todas as restantes, quando não se toma a posição de Estado agressor, as Forças Armadas são, e têm de ser, o elemento paliativo da paz que se segue à guerra. Quase arriscaria a dizer que os Exércitos, nas suas três vertentes de emprego, gerando violência, são, acima de tudo, elementos diplomáticos, porque a sua missão primeira terá de ser a de, ao serviço da defesa, darem espaço para a manobra política e, mais do que política, diplomática.
Só compreendendo o uso da força militar nesta perspectiva — que é a única para que existe, pois a dissuasão é também uma forma de fazer ou propiciar a diplomacia — é que se pode avaliar a beligerância como acto defensivo e, por conseguinte, como base do exercício da política por outros meios. Assim, independentemente da capacidade militar de um qualquer Estado, são os fins últimos que devem ditar o envolvimento no conflito bélico, mesmo que se saibam ser fracas as possibilidades efectivas das Forças Armadas, não as discutindo, ainda que tentando melhorá-las, principalmente se elas forem actuar no contexto de uma aliança.

Os historiadores e todos quantos opinam — com maiores ou menores conhecimentos para o fazerem — sobre a entrada de Portugal na Grande Guerra, condicionando-a à fraqueza do Exército e da Armada de então, para além de não explicarem a necessidade da beligerância, alinhando pelas razões miúdas dos que a ela se opunham, dão mostras de falta de compreensão dos superiores interesses do Estado português na época e da abrangência circular que deve ter a análise política de uma situação onde, em última instância, se discutiam prevalências de independências futuras.

O argumento da quase ineficácia das Forças Armadas de Portugal, em 1914, para justificar o que entendem como um erro a beligerância nacional, é, como julgo ter vagamente demonstrado, um artifício, que, não explicando os factos, se limita a reproduzir uma reduzida ou parcelar visão da ampla ameaça que caía sobre o País nesse Agosto fatídico.

Explicar ou julgar?


Tenho ouvido e lido, em especial nos últimos tempos, muito disparate sobre a entrada de Portugal na Grande Guerra, porque quem fala ou escreve sobre o assunto não sabe adoptar a posição correcta e única: não cometer erros anacrónicos!
Vejamos.

Em História não há sesse tivesse sido assim; se fulano não tomasse a atitude tal, etc. —, porque a única condição do discurso tem de ser sempre a do que realmente aconteceu e mais nenhuma. A História relata e, o mais que pode, e deve, fazer, é explicar. Mas o historiador tem de munir-se de todas as cautelas para fugir de, no acto explicativo, deixar escapar o julgamento, mesmo que velado.

Como já disse no início, a beligerância portuguesa na Grande Guerra tem sido, quase constantemente, julgada por quem simplesmente a devia contar e explicar. E isto acontece, na minha opinião, por dois motivos: primeiro, porque a falsa neutralidade nacional na 2.ª Guerra Mundial se constituiu, segundo o libelo acusatório do fascismo português, numa forma de culpar a 1.ª República pela beligerância activa na Grande Guerra, e há ainda quem, afinal, aceite as razões fascistas sem se interrogar; segundo, porque, tendo a 1.ª República sido um tempo de grandes e profundas desavenças políticas, que escondiam, acima de tudo a eterna luta social entre a Mudança e o Conservadorismo, faz com que o historiador, emocionalmente, se deixe envolver nesse confronto e se cole ao pensamento que mais vai de acordo com a sua maneira de sentir, caindo, desta forma, na armadilha da luta política que procura relatar e explicar.
Claro que, se o historiador tiver uma consciência ética muito apurada, deve começar por se perceber a si mesmo e fazer claramente a opção entre os dois campos da luta social, que o estudo da Antropologia Cultural tão bem explica. Se deste modo proceder, não receia assumir a sua explicação à luz do entendimento que faz da vida, sem, contudo, julgar, mas, tão-somente, desvendar os liames das partes em confronto e, assim, dar ao leitor ou ao ouvinte a possibilidade de este compreender a luta justificativa das tomadas de posição política ocorridas no passado.


Diz-se — e eu sou um exemplo disso — que os confrontos sociais têm como explicação base os fenómenos económicos, porque, por trás das grandes motivações regidas pela alta finança está sempre a ambição de aumento da riqueza. Todavia, não receio pôr em paralelo com esta motivação, aquela que é dada pelos antropólogos culturais, e que antes referi, porque a economia é o motor que alimenta ou retarda a marcha social rumo à Mudança (grafo a palavra com maiúscula, pois acho-lhe importância determinante na vida dos povos) e, na explicação genérica e última que dou da 1.ª República, entendo que foi o confronto entre o mudar e o conservar quem determinou a vitória da ditadura militar e fascista — logo, conservadora — de 28 de Maio de 1926. A beligerância nacional na Grande Guerra foi o grande rastilho que ateou a explosão desse confronto.

sábado, 14 de março de 2015

Carta de intenções



Interessei-me pelo estudo de Portugal e a Grande Guerra exactamente nos meses finais do ano de 1981. Fiz a minha primeira visita ao Arquivo Histórico Militar (AHM) talvez no mês de Novembro e ia já com o objectivo de ver o espólio do Corpo Expedicionário Português (CEP). Fiquei espantado com a quantidade de documentos onde podia mergulhar e, porque era imensa, atirei-me àquilo que era mais evidente e mais conhecido: os relatórios da batalha de La Lys. Comecei a perceber que havia entrado numa outra dimensão da História. Tinha de deixar a documentação e fincar-me no estudo da época, ou seja, da 1.ª República. Passei a alternar as minhas visitas ao AHM com outras à Biblioteca Nacional para estudar o regime que, em Portugal, mudara pouco antes do início da guerra. Pouco tempo decorrido uma nova necessidade se me impôs: estudar os últimos trinta anos de Monarquia. E foi deste modo que cresceu em mim o conhecimento militar do CEP e o da envolvente política que esteve na sua origem.
Se a minha paixão maior foi, de começo, o empenhamento militar, os anos vieram provar que era embrenhando-me na questão política nacional e internacional a forma de o conhecer na sua vertente mais nobre: a do envolvimento na hecatombe de ferro e fogo que martirizava, de um lado a outro, a Europa.

Falar de Portugal na Grande Guerra é falar do quotidiano político dos últimos anos da Monarquia e dos anos iniciais da 1.ª República. Mas terá de ser sempre falar do Povo e, saído dele, como emanação natural de vitalidade, falar dos soldados combatentes na Flandres francesa.
Vai ser essa amálgama que vou deixar, em curtos apontamentos, neste blogue, escritos aqui no meu abrigo, rodeado de livros em vez de sacos de terra, sem grandes preocupações de apresentação académica — mas sem fugir ao seu rigor —, tentado que, para além de exercerem uma função de divulgação de conhecimentos sejam, acima de tudo, uma homenagem aos Portugueses de há cem anos, que ligaram os destinos da República aos da luta travada na Europa e, um pouco, por todo o mundo. Esses apontamentos, sendo para o leitor, são especialmente para honrar memórias esquecidas e, nos tempos que correm, na minha opinião, nem sempre lembradas do modo mais conveniente.

O tempo e a paciência ditarão o ritmo dos textos. Os resultados logo se verão.