Para não ter de pensar no gasto conceito de guerra devido a Clausewitz—
aliás concebido para situações de conflitos internacionais — poderei
socorrer-me de algo mais simples, definindo guerra
como uma luta de vontades, na qual se usam armas de destruição, individuais e
massivas, envolvendo elevados contingentes de combatentes que se confrontam
segundo um método dialéctico quanto ao armamento e quanto à escalada da
violência.
Neste conceito, como se compreende, pode incluir-se aquele conflito a
que, geralmente, se chama guerra civil, por se travar entre oponentes do mesmo
Estado, Nação, clã ou conjunto social e político humano.
Mas não é neste sentido que o historiador António José Telo o utiliza —
na minha perspectiva, mal — na comunicação que fez no XXIII Colóquio de
História Militar e que teve honras de palestra de encerramento! Utiliza-o sem
os contornos científicos que lhe procurei dar em conceito por mim concebido
(salvas as influências do todos os autores que ao assunto se dedicaram e os
quais fizeram parte dos meus estudos longínquos) pois mistura a simples luta
política partidária com atentados assassinos e golpes militares. Depois, e numa
tentativa — quanto a mim, vã — espraia-se na demonstração da existência de
grupos armados (curiosamente, com grande ênfase nos de natureza republicana e
passando de esguelha pelos monárquicos!) vocacionados para alimentarem essa tal
guerra civil intermitente.
Claro que não vale a pena perder excessivo tempo a provar que a mistura de António José Telo tem tudo
semelhante à célebre e popular sopa da pedra — ou será preferível chamar-lhe sopa da guerra? — e nada, mas mesmo
nada, a ver com uma verdadeira guerra civil! Realmente, guerra civil — se tal
nome se pode dar ao acontecimento — só houve na 1.ª República quando, num acto
de tresloucada rebelião política, Paiva Couceiro fez restaurar a Monarquia durante poucos dias no Norte e circunscrita
ao paralelo da Bairrada, com extraordinários espaços geográficos
irremediavelmente neutros e outros, sem dúvida, republicanos. Por conseguinte,
aquilo que Telo classifica de guerra
civil intermitente só existiu, sem intermitências nas quatro semanas de
Janeiro e primeiras de Fevereiro de 1919. Tudo o mais não passa de uma
mistificação que o historiador faz da História, abonando muito pouco a seu
favor e a favor do entendimento que tem da luta política normal em democracias,
no final do século XIX e começo do século XX!
Na confecção da salada russa
por si tentada para gerar a tal guerra
civil intermitente, mete os assassinatos do rei D. Carlos e do Príncipe
Real e o de Sidónio Pais em paralelo com os de António Granjo e a tentativa
sobre João Chagas sem ter a cautela de analisar caso por caso, pois os
contextos são totalmente diferentes.
Não! Explicar é retirar o valor que António Telo quer dar à sua guerra civil!
É que a morte de D. Carlos e D. Luís Filipe surge na sequência de um
clima de luta pelo poder por parte dos republicanos, do Partido Republicano
Português (PRP), sem que este esteja, documentalmente provado, nela envolvido,
directa ou indirectamente; a de António Granjo é resultado de estranhas
disputas e vinganças ainda não esclarecidas entre republicanos, monárquicos e
católicos; a de Sidónio Pais, sem provas concludentes, redunda de um acto isolado
de um indivíduo tresloucado; a tentativa falhada de assassinato de João Chagas
foi uma vingança de um adversário político. E postos os factos desta forma,
será que configuram actos de uma guerra
civil, mesmo que intermitente?
Que estranha guerra civil esta nascida na imaginação de António Telo!
Se todos os assassinatos ocorridos no mundo político — e só nele — fossem
parte de uma guerra civil, para Telo, o mundo seria um lugar impossível de
viver em paz!
E o que dizer quando passamos aos golpes militares? E à intervenção
armada de civis nesses golpes? Bom, teremos de dizer que, para António José
Telo, o século XIX, na Europa e nas Américas, esteve sempre em guerra civil!
Esteve, porque todo o processo de mudança e alternância do Poder em muitos
países, começando pela nossa vizinha Espanha, se foi efectuando, fruto da
própria Revolução Industrial e do processo por ela desencadeado, de uma forma
violenta entre grupos de interesses financeiros — para não falar de classes, conceito que António José Telo
dominou bem na sua juventude — que, para se afirmarem, usavam o golpe militar
em associação com civis armados. Por certo não foi Portugal quem inventou este
sistema de conquista do Poder! Mas Telo, cometendo o erro do anacronismo, que
se lhe começa a notar, e que transforma o historiador em comentador, contador
de histórias ou, pior ainda, em defensor de ideologias políticas, pretende que
Portugal fuja, na primeira metade do século XX, ao modelo político tão
espalhado e comum na Europa e no resto do mundo! Convém, para alinhar com os
criadores de uma paz social, uma ordem
impoluta, nascida em 1933 com a Constituição Política daquilo que se
chamava República assente na União Nacional!
Ao que António José Telo se propõe fazer não se chama História, mas antes
manipulação dos factos históricos para gerar apoios supostamente científicos a
uma ideologia política que pode surgir em qualquer momento em que a democracia
baixe a guarda.
Nenhum comentário:
Postar um comentário