segunda-feira, 14 de março de 2016

A Guerra Civil Intermitente


Para não ter de pensar no gasto conceito de guerra devido a Clausewitz— aliás concebido para situações de conflitos internacionais — poderei socorrer-me de algo mais simples, definindo guerra como uma luta de vontades, na qual se usam armas de destruição, individuais e massivas, envolvendo elevados contingentes de combatentes que se confrontam segundo um método dialéctico quanto ao armamento e quanto à escalada da violência.
Neste conceito, como se compreende, pode incluir-se aquele conflito a que, geralmente, se chama guerra civil, por se travar entre oponentes do mesmo Estado, Nação, clã ou conjunto social e político humano.

Mas não é neste sentido que o historiador António José Telo o utiliza — na minha perspectiva, mal — na comunicação que fez no XXIII Colóquio de História Militar e que teve honras de palestra de encerramento! Utiliza-o sem os contornos científicos que lhe procurei dar em conceito por mim concebido (salvas as influências do todos os autores que ao assunto se dedicaram e os quais fizeram parte dos meus estudos longínquos) pois mistura a simples luta política partidária com atentados assassinos e golpes militares. Depois, e numa tentativa — quanto a mim, vã — espraia-se na demonstração da existência de grupos armados (curiosamente, com grande ênfase nos de natureza republicana e passando de esguelha pelos monárquicos!) vocacionados para alimentarem essa tal guerra civil intermitente.
Claro que não vale a pena perder excessivo tempo a provar que a mistura de António José Telo tem tudo semelhante à célebre e popular sopa da pedra — ou será preferível chamar-lhe sopa da guerra? — e nada, mas mesmo nada, a ver com uma verdadeira guerra civil! Realmente, guerra civil — se tal nome se pode dar ao acontecimento — só houve na 1.ª República quando, num acto de tresloucada rebelião política, Paiva Couceiro fez restaurar a Monarquia durante poucos dias no Norte e circunscrita ao paralelo da Bairrada, com extraordinários espaços geográficos irremediavelmente neutros e outros, sem dúvida, republicanos. Por conseguinte, aquilo que Telo classifica de guerra civil intermitente só existiu, sem intermitências nas quatro semanas de Janeiro e primeiras de Fevereiro de 1919. Tudo o mais não passa de uma mistificação que o historiador faz da História, abonando muito pouco a seu favor e a favor do entendimento que tem da luta política normal em democracias, no final do século XIX e começo do século XX!

Na confecção da salada russa por si tentada para gerar a tal guerra civil intermitente, mete os assassinatos do rei D. Carlos e do Príncipe Real e o de Sidónio Pais em paralelo com os de António Granjo e a tentativa sobre João Chagas sem ter a cautela de analisar caso por caso, pois os contextos são totalmente diferentes.
Não! Explicar é retirar o valor que António Telo quer dar à sua guerra civil!
É que a morte de D. Carlos e D. Luís Filipe surge na sequência de um clima de luta pelo poder por parte dos republicanos, do Partido Republicano Português (PRP), sem que este esteja, documentalmente provado, nela envolvido, directa ou indirectamente; a de António Granjo é resultado de estranhas disputas e vinganças ainda não esclarecidas entre republicanos, monárquicos e católicos; a de Sidónio Pais, sem provas concludentes, redunda de um acto isolado de um indivíduo tresloucado; a tentativa falhada de assassinato de João Chagas foi uma vingança de um adversário político. E postos os factos desta forma, será que configuram actos de uma guerra civil, mesmo que intermitente?
Que estranha guerra civil esta nascida na imaginação de António Telo!
Se todos os assassinatos ocorridos no mundo político — e só nele — fossem parte de uma guerra civil, para Telo, o mundo seria um lugar impossível de viver em paz!

E o que dizer quando passamos aos golpes militares? E à intervenção armada de civis nesses golpes? Bom, teremos de dizer que, para António José Telo, o século XIX, na Europa e nas Américas, esteve sempre em guerra civil! Esteve, porque todo o processo de mudança e alternância do Poder em muitos países, começando pela nossa vizinha Espanha, se foi efectuando, fruto da própria Revolução Industrial e do processo por ela desencadeado, de uma forma violenta entre grupos de interesses financeiros — para não falar de classes, conceito que António José Telo dominou bem na sua juventude — que, para se afirmarem, usavam o golpe militar em associação com civis armados. Por certo não foi Portugal quem inventou este sistema de conquista do Poder! Mas Telo, cometendo o erro do anacronismo, que se lhe começa a notar, e que transforma o historiador em comentador, contador de histórias ou, pior ainda, em defensor de ideologias políticas, pretende que Portugal fuja, na primeira metade do século XX, ao modelo político tão espalhado e comum na Europa e no resto do mundo! Convém, para alinhar com os criadores de uma paz social, uma ordem impoluta, nascida em 1933 com a Constituição Política daquilo que se chamava República assente na União Nacional!

Ao que António José Telo se propõe fazer não se chama História, mas antes manipulação dos factos históricos para gerar apoios supostamente científicos a uma ideologia política que pode surgir em qualquer momento em que a democracia baixe a guarda.

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