Poderá parecer quase disparatado invocar o ultimato inglês de 1890,
mandado ao Governo de Portugal, para o ligar à Grande Guerra e à disparidade de
posições políticas adoptadas entre nós quanto à participação no conflito bélico.
Contudo, o disparate desfaz-se em
poucas palavras, carecendo só de ser explicado.
Recordemos o quanto foi traumática, no começo da última dezena de anos do
século XIX, para os cidadãos politicamente conscientes, a atitude da
Grã-Bretanha a propósito da intenção de Portugal reivindicar para si uma
parcela de território africano, que já Londres considerava sua, por direito de
ocupação anterior. O brutal aviso feito pelo Governo de Sua Majestade Britânica
ao seu mais que fraco aliado correspondeu não só à ofensa que um amigo faz a
outro quando o ameaça de retaliações incapazes de suportar como, também, à
impudica atitude de prometer pancada a quem jamais terá corpo, cara, físico
para aguentar um mínimo encontrão! Mais do que a ameaça, em Portugal sentiu-se
a pequenez miseranda a que se havia chegado quatrocentos anos depois de se ter
dividido, com a Espanha, em duas metades, o poder de ocupar o planeta Terra
naquilo que era desconhecido da, então, ainda limitada Inglaterra. A população
com alguma ilustração intelectual acordou espavorida perante a humilhante
atitude de uma Grã-Bretanha impante e poderosa da sua capacidade industrial e da
incomparável máquina comercial, que levava a todo o mundo os produtos
fabricados pelos seus mais que explorados operários. Não foi uma bofetada dada
com luva de pelica calçada, mas um burro boçal, que acertou em cheio na parte
nevrálgica de um Estado que, empenhado e falido, se debatia para ainda se
apresentar na Europa e no mundo com alguma dignidade, escondendo sob a casaca
puída os andrajos impostos por incapacidades e faltas inultrapassáveis.
Foi tão forte o sentimento que, entre outras reacções anti-britânicas, se
compôs um hino de revolta inspirado nos valores passados e apelando para a
força anímica de um Povo, supunha-se, capaz de sobrepujar, apoiado na coragem,
as desditas da miséria. E também se deixou de ensinar nos liceus o idioma
inglês! Se havia já na época fundamentos para desconfiar da honestidade de
princípios da Inglaterra, eles avolumaram-se, levando a que à velha aliada se
lhe chamasse Pérfida Albion, repescando
assim a designação criada, no século XVIII, pelo poeta e diplomata francês de
origem aragonesa Augustin Louis Marie de Ximénès, morto em 1817.
E não eram vãs as suspeições, pois, em 1898, com restrito conhecimento
nos meios diplomáticos e políticos nacionais, Londres e Berlim, a troco da
redução ou paragem do programa germânico de construção de uma poderosa marinha
de guerra, se amanhou a partilha das mais ricas colónias africanas portuguesas
acobertada armadilha por um volumoso empréstimo financeiro a ceder pelos bancos
britânicos e alemãs ao carecido Portugal. Salvou-nos do esbulho a França,
então, ainda não entendida com a Grã-Bretanha.
Mas que herança receberam os políticos nacionais para, em 1914, quando a
Grande Guerra começou na Europa, ligarem o já temporalmente distante Ultimato
ao recente conflito militar?
A resposta obtemo-la hoje se nos debruçarmos atentamente sobre as
biografias desses homens e lhe fixarmos as idades! Muitos deles tinham vinte
anos, um pouco menos ou um pouco mais, quando a Inglaterra ofendeu gravemente a
honra de um Portugal quase sempre submisso perante a grandeza britânica. E
esses homens transportavam ainda na memória a dor do boçal murro mais
semelhante ao coice de uma besta sem outro merecimento do que o de estar bem
ajaezada e alimentada para servir os gordos capitalistas desse reino tão
perverso quanto manhoso. Infelizmente, diz-se entre nós, a memória é sempre
curta quando a falta de vergonha é sempre grande. Daí que, para bastantes
Portugueses, a lembrança do Ultimato se lhes tenha varrido como se um
conveniente ciclone lhes tivesse desmanchado os arrumos da lembrança.
Há sempre gente pronta a esquecer quando lembrar não é conveniente!
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ResponderExcluirFico-lhe grato. Temos de dar a conhecer a História recente, em tempo de centenário.
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