quarta-feira, 18 de março de 2015

Do Ultimato para a Grande Guerra




Poderá parecer quase disparatado invocar o ultimato inglês de 1890, mandado ao Governo de Portugal, para o ligar à Grande Guerra e à disparidade de posições políticas adoptadas entre nós quanto à participação no conflito bélico. Contudo, o disparate desfaz-se em poucas palavras, carecendo só de ser explicado.

Recordemos o quanto foi traumática, no começo da última dezena de anos do século XIX, para os cidadãos politicamente conscientes, a atitude da Grã-Bretanha a propósito da intenção de Portugal reivindicar para si uma parcela de território africano, que já Londres considerava sua, por direito de ocupação anterior. O brutal aviso feito pelo Governo de Sua Majestade Britânica ao seu mais que fraco aliado correspondeu não só à ofensa que um amigo faz a outro quando o ameaça de retaliações incapazes de suportar como, também, à impudica atitude de prometer pancada a quem jamais terá corpo, cara, físico para aguentar um mínimo encontrão! Mais do que a ameaça, em Portugal sentiu-se a pequenez miseranda a que se havia chegado quatrocentos anos depois de se ter dividido, com a Espanha, em duas metades, o poder de ocupar o planeta Terra naquilo que era desconhecido da, então, ainda limitada Inglaterra. A população com alguma ilustração intelectual acordou espavorida perante a humilhante atitude de uma Grã-Bretanha impante e poderosa da sua capacidade industrial e da incomparável máquina comercial, que levava a todo o mundo os produtos fabricados pelos seus mais que explorados operários. Não foi uma bofetada dada com luva de pelica calçada, mas um burro boçal, que acertou em cheio na parte nevrálgica de um Estado que, empenhado e falido, se debatia para ainda se apresentar na Europa e no mundo com alguma dignidade, escondendo sob a casaca puída os andrajos impostos por incapacidades e faltas inultrapassáveis.
Foi tão forte o sentimento que, entre outras reacções anti-britânicas, se compôs um hino de revolta inspirado nos valores passados e apelando para a força anímica de um Povo, supunha-se, capaz de sobrepujar, apoiado na coragem, as desditas da miséria. E também se deixou de ensinar nos liceus o idioma inglês! Se havia já na época fundamentos para desconfiar da honestidade de princípios da Inglaterra, eles avolumaram-se, levando a que à velha aliada se lhe chamasse Pérfida Albion, repescando assim a designação criada, no século XVIII, pelo poeta e diplomata francês de origem aragonesa Augustin Louis Marie de Ximénès, morto em 1817.

E não eram vãs as suspeições, pois, em 1898, com restrito conhecimento nos meios diplomáticos e políticos nacionais, Londres e Berlim, a troco da redução ou paragem do programa germânico de construção de uma poderosa marinha de guerra, se amanhou a partilha das mais ricas colónias africanas portuguesas acobertada armadilha por um volumoso empréstimo financeiro a ceder pelos bancos britânicos e alemãs ao carecido Portugal. Salvou-nos do esbulho a França, então, ainda não entendida com a Grã-Bretanha.

Mas que herança receberam os políticos nacionais para, em 1914, quando a Grande Guerra começou na Europa, ligarem o já temporalmente distante Ultimato ao recente conflito militar?
A resposta obtemo-la hoje se nos debruçarmos atentamente sobre as biografias desses homens e lhe fixarmos as idades! Muitos deles tinham vinte anos, um pouco menos ou um pouco mais, quando a Inglaterra ofendeu gravemente a honra de um Portugal quase sempre submisso perante a grandeza britânica. E esses homens transportavam ainda na memória a dor do boçal murro mais semelhante ao coice de uma besta sem outro merecimento do que o de estar bem ajaezada e alimentada para servir os gordos capitalistas desse reino tão perverso quanto manhoso. Infelizmente, diz-se entre nós, a memória é sempre curta quando a falta de vergonha é sempre grande. Daí que, para bastantes Portugueses, a lembrança do Ultimato se lhes tenha varrido como se um conveniente ciclone lhes tivesse desmanchado os arrumos da lembrança.

Há sempre gente pronta a esquecer quando lembrar não é conveniente!

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