Tenho lido e ouvido argumentar, com base na fraquíssima capacidade
militar de Portugal, em 1914, o quanto foi inapropriada a beligerância nacional
na Grande Guerra. Essa incapacidade, no dizer dos que entendem errada a entrada
no conflito, no teatro europeu, deveria ter sido suficiente para motivar os
governantes e toda a classe política a aceitar aquele estatuto ambíguo e
equívoco — não neutral e não beligerante —, que a Inglaterra havia solicitado,
sob a forma de imposição, ao Governo Bernardino Machado, em Agosto do ano
inicial da guerra.
Na minha opinião, esta é uma das mais levianas análises da política
externa portuguesa de há cem anos. De há cem anos, como poderia ser de agora!
É verdade que a República havia herdado da Monarquia um Exército quase só
apropriado para colorir certos actos públicos, reprimir qualquer desordem
interna, combater as hordas africanas que se não submetessem ao domínio
colonial português e pouco mais, pois até, para garantir a sobrevivência da independência
nacional face a qualquer aventura espanhola, ele teria pouca eficácia. Sendo
verdade, parece estulta a minha posição crítica perante a argumentação desses
historiadores, que proclamam o erro da beligerância! Mas não é! Vejamos.
Tal como nas famílias, há momentos em que os Estados têm de empenhar o
presente e futuro para garantir uma continuidade razoavelmente digna nesse
mesmo futuro. Nessas circunstâncias há que não olhar a sacrifícios, dando força
a tudo e a todos que a não têm. Nessas circunstâncias, como em quase todas as
restantes, quando não se toma a posição de Estado agressor, as Forças Armadas
são, e têm de ser, o elemento paliativo
da paz que se segue à guerra. Quase arriscaria a dizer que os Exércitos, nas
suas três vertentes de emprego, gerando violência, são, acima de tudo,
elementos diplomáticos, porque a sua
missão primeira terá de ser a de, ao serviço da defesa, darem espaço para a manobra política e, mais do que política, diplomática.
Só compreendendo o uso da força militar nesta perspectiva — que é a única
para que existe, pois a dissuasão é também uma forma de fazer ou propiciar a
diplomacia — é que se pode avaliar a beligerância como acto defensivo e, por
conseguinte, como base do exercício da política por outros meios. Assim, independentemente
da capacidade militar de um qualquer Estado, são os fins últimos que devem
ditar o envolvimento no conflito bélico, mesmo que se saibam ser fracas as
possibilidades efectivas das Forças Armadas, não as discutindo, ainda que
tentando melhorá-las, principalmente se elas forem actuar no contexto de uma
aliança.
Os historiadores e todos quantos opinam — com maiores ou menores
conhecimentos para o fazerem — sobre a entrada de Portugal na Grande Guerra,
condicionando-a à fraqueza do Exército e da Armada de então, para além de não
explicarem a necessidade da beligerância, alinhando pelas razões miúdas dos que a ela se opunham, dão
mostras de falta de compreensão dos superiores interesses do Estado português
na época e da abrangência circular que deve ter a análise política de uma
situação onde, em última instância, se discutiam prevalências de independências
futuras.
O argumento da quase ineficácia das Forças Armadas de Portugal, em 1914,
para justificar o que entendem como um erro
a beligerância nacional, é, como julgo ter vagamente demonstrado, um artifício,
que, não explicando os factos, se limita a reproduzir uma reduzida ou parcelar
visão da ampla ameaça que caía sobre o País nesse Agosto fatídico.
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