domingo, 15 de março de 2015

Capacidade militar em 1914

(Soldado português: Armando Boaventura, 1919) 

Tenho lido e ouvido argumentar, com base na fraquíssima capacidade militar de Portugal, em 1914, o quanto foi inapropriada a beligerância nacional na Grande Guerra. Essa incapacidade, no dizer dos que entendem errada a entrada no conflito, no teatro europeu, deveria ter sido suficiente para motivar os governantes e toda a classe política a aceitar aquele estatuto ambíguo e equívoco — não neutral e não beligerante —, que a Inglaterra havia solicitado, sob a forma de imposição, ao Governo Bernardino Machado, em Agosto do ano inicial da guerra.
Na minha opinião, esta é uma das mais levianas análises da política externa portuguesa de há cem anos. De há cem anos, como poderia ser de agora!

É verdade que a República havia herdado da Monarquia um Exército quase só apropriado para colorir certos actos públicos, reprimir qualquer desordem interna, combater as hordas africanas que se não submetessem ao domínio colonial português e pouco mais, pois até, para garantir a sobrevivência da independência nacional face a qualquer aventura espanhola, ele teria pouca eficácia. Sendo verdade, parece estulta a minha posição crítica perante a argumentação desses historiadores, que proclamam o erro da beligerância! Mas não é! Vejamos.

Tal como nas famílias, há momentos em que os Estados têm de empenhar o presente e futuro para garantir uma continuidade razoavelmente digna nesse mesmo futuro. Nessas circunstâncias há que não olhar a sacrifícios, dando força a tudo e a todos que a não têm. Nessas circunstâncias, como em quase todas as restantes, quando não se toma a posição de Estado agressor, as Forças Armadas são, e têm de ser, o elemento paliativo da paz que se segue à guerra. Quase arriscaria a dizer que os Exércitos, nas suas três vertentes de emprego, gerando violência, são, acima de tudo, elementos diplomáticos, porque a sua missão primeira terá de ser a de, ao serviço da defesa, darem espaço para a manobra política e, mais do que política, diplomática.
Só compreendendo o uso da força militar nesta perspectiva — que é a única para que existe, pois a dissuasão é também uma forma de fazer ou propiciar a diplomacia — é que se pode avaliar a beligerância como acto defensivo e, por conseguinte, como base do exercício da política por outros meios. Assim, independentemente da capacidade militar de um qualquer Estado, são os fins últimos que devem ditar o envolvimento no conflito bélico, mesmo que se saibam ser fracas as possibilidades efectivas das Forças Armadas, não as discutindo, ainda que tentando melhorá-las, principalmente se elas forem actuar no contexto de uma aliança.

Os historiadores e todos quantos opinam — com maiores ou menores conhecimentos para o fazerem — sobre a entrada de Portugal na Grande Guerra, condicionando-a à fraqueza do Exército e da Armada de então, para além de não explicarem a necessidade da beligerância, alinhando pelas razões miúdas dos que a ela se opunham, dão mostras de falta de compreensão dos superiores interesses do Estado português na época e da abrangência circular que deve ter a análise política de uma situação onde, em última instância, se discutiam prevalências de independências futuras.

O argumento da quase ineficácia das Forças Armadas de Portugal, em 1914, para justificar o que entendem como um erro a beligerância nacional, é, como julgo ter vagamente demonstrado, um artifício, que, não explicando os factos, se limita a reproduzir uma reduzida ou parcelar visão da ampla ameaça que caía sobre o País nesse Agosto fatídico.

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