domingo, 15 de março de 2015

Explicar ou julgar?


Tenho ouvido e lido, em especial nos últimos tempos, muito disparate sobre a entrada de Portugal na Grande Guerra, porque quem fala ou escreve sobre o assunto não sabe adoptar a posição correcta e única: não cometer erros anacrónicos!
Vejamos.

Em História não há sesse tivesse sido assim; se fulano não tomasse a atitude tal, etc. —, porque a única condição do discurso tem de ser sempre a do que realmente aconteceu e mais nenhuma. A História relata e, o mais que pode, e deve, fazer, é explicar. Mas o historiador tem de munir-se de todas as cautelas para fugir de, no acto explicativo, deixar escapar o julgamento, mesmo que velado.

Como já disse no início, a beligerância portuguesa na Grande Guerra tem sido, quase constantemente, julgada por quem simplesmente a devia contar e explicar. E isto acontece, na minha opinião, por dois motivos: primeiro, porque a falsa neutralidade nacional na 2.ª Guerra Mundial se constituiu, segundo o libelo acusatório do fascismo português, numa forma de culpar a 1.ª República pela beligerância activa na Grande Guerra, e há ainda quem, afinal, aceite as razões fascistas sem se interrogar; segundo, porque, tendo a 1.ª República sido um tempo de grandes e profundas desavenças políticas, que escondiam, acima de tudo a eterna luta social entre a Mudança e o Conservadorismo, faz com que o historiador, emocionalmente, se deixe envolver nesse confronto e se cole ao pensamento que mais vai de acordo com a sua maneira de sentir, caindo, desta forma, na armadilha da luta política que procura relatar e explicar.
Claro que, se o historiador tiver uma consciência ética muito apurada, deve começar por se perceber a si mesmo e fazer claramente a opção entre os dois campos da luta social, que o estudo da Antropologia Cultural tão bem explica. Se deste modo proceder, não receia assumir a sua explicação à luz do entendimento que faz da vida, sem, contudo, julgar, mas, tão-somente, desvendar os liames das partes em confronto e, assim, dar ao leitor ou ao ouvinte a possibilidade de este compreender a luta justificativa das tomadas de posição política ocorridas no passado.


Diz-se — e eu sou um exemplo disso — que os confrontos sociais têm como explicação base os fenómenos económicos, porque, por trás das grandes motivações regidas pela alta finança está sempre a ambição de aumento da riqueza. Todavia, não receio pôr em paralelo com esta motivação, aquela que é dada pelos antropólogos culturais, e que antes referi, porque a economia é o motor que alimenta ou retarda a marcha social rumo à Mudança (grafo a palavra com maiúscula, pois acho-lhe importância determinante na vida dos povos) e, na explicação genérica e última que dou da 1.ª República, entendo que foi o confronto entre o mudar e o conservar quem determinou a vitória da ditadura militar e fascista — logo, conservadora — de 28 de Maio de 1926. A beligerância nacional na Grande Guerra foi o grande rastilho que ateou a explosão desse confronto.

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