Tenho ouvido e lido, em especial nos últimos tempos, muito disparate
sobre a entrada de Portugal na Grande Guerra, porque quem fala ou escreve sobre
o assunto não sabe adoptar a posição correcta e única: não cometer erros
anacrónicos!
Vejamos.
Em História não há ses — se tivesse sido assim; se fulano não tomasse
a atitude tal, etc. —, porque a única condição do discurso tem de ser
sempre a do que realmente aconteceu e mais nenhuma. A História relata e, o mais
que pode, e deve, fazer, é explicar. Mas o historiador tem de
munir-se de todas as cautelas para fugir de, no acto explicativo, deixar
escapar o julgamento, mesmo que velado.
Como já disse no início, a beligerância portuguesa na Grande Guerra tem sido, quase
constantemente, julgada por quem simplesmente a devia contar e explicar. E isto
acontece, na minha opinião, por dois motivos: primeiro, porque a falsa
neutralidade nacional na 2.ª Guerra Mundial se constituiu, segundo o libelo
acusatório do fascismo português, numa forma de culpar a 1.ª República pela
beligerância activa na Grande Guerra, e há ainda quem, afinal, aceite as razões fascistas sem se interrogar;
segundo, porque, tendo a 1.ª República sido um tempo de grandes e profundas
desavenças políticas, que escondiam, acima de tudo a eterna luta social entre a
Mudança e o Conservadorismo, faz com que o historiador, emocionalmente, se
deixe envolver nesse confronto e se cole ao pensamento que mais vai de acordo
com a sua maneira de sentir, caindo, desta forma, na armadilha da luta política
que procura relatar e explicar.
Claro que, se o historiador tiver uma consciência ética muito apurada,
deve começar por se perceber a si mesmo e fazer claramente a opção entre os
dois campos da luta social, que o estudo da Antropologia Cultural tão bem explica.
Se deste modo proceder, não receia assumir a sua explicação à luz do
entendimento que faz da vida, sem, contudo, julgar, mas, tão-somente, desvendar
os liames das partes em confronto e, assim, dar ao leitor ou ao ouvinte a
possibilidade de este compreender a luta justificativa das tomadas de posição
política ocorridas no passado.
Diz-se — e eu sou um exemplo disso — que os confrontos sociais têm como
explicação base os fenómenos económicos, porque, por trás das grandes
motivações regidas pela alta finança está sempre a ambição de aumento da
riqueza. Todavia, não receio pôr em paralelo com esta motivação, aquela que é
dada pelos antropólogos culturais, e que antes referi, porque a economia é o
motor que alimenta ou retarda a marcha social rumo à Mudança (grafo a palavra
com maiúscula, pois acho-lhe importância determinante na vida dos povos) e, na
explicação genérica e última que dou da 1.ª República, entendo que foi o
confronto entre o mudar e o conservar quem determinou a vitória da
ditadura militar e fascista — logo, conservadora — de 28 de Maio de 1926. A
beligerância nacional na Grande Guerra foi o grande rastilho que ateou a
explosão desse confronto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário