Já abordei, ainda que em voo rápido de palavras a rasgar o passado, a
tentativa diplomática anglo-germânica de, em 1898, partilhar as mais
importantes colónias portuguesas entre si. O fundamento encontrava justificação
na necessidade de conter o crescimento da marinha de guerra alemã de forma a
não rivalizar com a britânica. Salvou Portugal de ser esbulhado, não só a
França, que se opôs a tal negócio,
mas também, a eclosão da guerra anglo-bóer, na África do Sul.
Realmente, Lisboa havia firmado um acordo diplomático com a República do
Transval, comprometendo-se a permitir que pelo porto de Lourenço Marques (hoje
Maputo) fosse possível a passagem de todos os produtos de que aquele Estado
carecesse, incluindo armamento. O conflito inglês com o Transval colocou
Portugal numa posição incómoda e impossível de manter, pois a Alemanha apoiava
o Estado bóer e, a haver a colaboração prevista no acordo, a fractura
diplomática com a Inglaterra ficaria iminente com todos os riscos daí
advenientes, sendo que a ocupação do sul de Moçambique por tropas britânicas
poderia perfilar-se no horizonte de hipóteses a considerar por Lisboa sem,
contudo, se prever que Berlim estivesse disposto a assumir mais do que apoios
meramente diplomáticos, como aconteceu em relação ao Transval. Assim, o
entendimento anglo-germânico de 1898, poderia servir para Londres forçar Lisboa
a aceitar condições internacionais sobre Lourenço Marques que iam ao arrepio da
boa convivência com o Transval. E foi isso que aconteceu!
Em troca de Londres reafirmar os termos da aliança anglo-lusa e, em
especial, de oferecer a sua marinha de guerra para protecção das colónias
portugueses — facto que, na prática, anulava os efeitos do entendimento
anglo-germânico —, em 1899, exigiu que Lisboa desse a conhecer que Portugal
colaborava com a Inglaterra, ficando neutral perante a República do Transval.
Era a inversão da lógica antecedente. No plano internacional aprofundava-se a
imagem de uma subordinação total do Governo português às vontades britânicas. A
asa tutelar da Grã-Bretanha sobre Portugal aumentou significativamente ao ponto
de reduzir o estatuto soberano à condição de Estado tutelado.
Nem por se tratar de um conflito na África austral deixou de ser
entendida, na Europa, a posição de Portugal como a de mero executante dos
interesses britânicos, mesmo que houvesse convergência de interesses e de
vontades entre ambos. Aos olhos das grandes potências europeias — fossem
militares ou económicas — Portugal era coutada
onde só a Grã-Bretanha caçava. E
aquilo que era sabido nas chancelarias europeias era, também, sentido pelas
elites mais esclarecidas do pensamento nacional português. E este sentimento
foi canalizado para um de dois caminhos: ou aceitar que, por incapacidade, a
Monarquia, estando politicamente falida, teria de amarrar firmemente os seus destinos ao motor britânico, aceitando o que parecia inevitável; ou romper com
o regime e aceitar a proposta, um tanto messiânica e sebastianista, dos
republicanos. Deste modo, não se pode limitar somente às razões de política
interna a taumatúrgica solução
trazida por uma República que se tinha de proclamar tão rápido quanto fosse
possível — e aqui entrava, também, a aceitação prévia da Grã-Bretanha que, no
mínimo, teria de dar garantias de neutralidade se os republicanos dessem
garantias de continuidade na aceitação de uma tutela que satisfazia, acima de
tudo, os interesses britânicos — para, especialmente, no plano interno mostrar
que as moscas mudavam, sem nada
prometer quanto a outras mudanças no
plano externo.
À luz de uma verticalidade de princípios políticos, que a prática de um
capitalismo absorvente e expansionista ainda não havia ganhado espaço e lugar
no quotidiano português, imaginados como os ideais para o governo dos povos, a
relação existente entre Portugal e a Inglaterra era tida, entre o povo e as
elites contestatárias, como pérfida,
porque a Aliança não se mostrava pura
e desinteressada. E o que ditava este
sentimento era um desfasamento na identificação das armadilhas que, no século XIX, na Grã-Bretanha, se tinham
aperfeiçoado através da relação íntima entre os interesses do capitalismo em
expansão e os interesses políticos de um poder estatal, de há muito, com
vocação imperial. Felizmente, os republicanos, ou uma grande maioria deles, —
representados por uma geração de gente com idades médias compreendidas entre os
quarenta e os cinquenta anos —, que depois da mudança do regime assumiram as
rédeas da governação, se aperceberam da importância da manha na condução da política moderna,
pois puseram em dúvida a existência de uma Aliança desinteressada, passando a
ter receio evidente das jogadas da Velha Aliada. E em boa hora assim
procederam, porque em Londres, no ano de 1912, deu-se inicio a novas
conversações para a partilha das colónias portuguesas com a Alemanha. Isso
alertou, pelo menos uma ala dos republicanos, para a necessidade de frustrar os
intentos ingleses através de levar Londres a invocar a Aliança quando a guerra,
há muito esperada e pressentida, estalou na Europa. Iniciava-se uma política
diplomática moderna e, em certa
medida, revolucionária.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirOutra excelente lição.
ResponderExcluirSe não fôr pedir muito, porque sei ser-te o tempo um bem muitíssimo escasso, encorajava-te a ires escrevendo e publicando aqui textos sobre a GG, nos vários cenários geográficos.
Sim, porque para além daqueles que por dever de ofício ou curiosidade pessoal estudaram ou leram sobre estas coisas, há muitos a quem na sua formação académica lhes foi sonegada esta parte da história portuguesa.
Um abraço.