quinta-feira, 2 de abril de 2015

Uma guerra total


A grande maioria dos cidadãos de todos os Estados europeus, no começo do ano de 1914, pressentia que se vivia já no Velho Continente um clima de pré guerra. E calculava-se que os grandes antagonistas seriam a Alemanha, a Áustria, a Rússia, a França e a Grã-Bretanha. O conflito era previsível, face a todos os indícios que provocavam tensões nas chancelarias das grandes capitais. Era imaginável, pela enorme corrida económica que se vinha desenrolando, havia mais de trinta anos, entre a Alemanha e o Reino Unido e o desejo de vingança dos Franceses aquando da derrota imposta pelos Prussianos. A Alemanha unificada havia-se tornado no grande desestabilizador europeu; a França no grande acelerador de todas as desconfianças e a Rússia no grande potentado que desejava chegar aos mares quentes do Mediterrâneo através dos Balcãs. A Itália era a grande dúvida de todos, pois tanto poderia pender para o lado das potências marítimas como para o dos impérios do centro. A Inglaterra jogava entre a ameaça à Alemanha e a tentativa de estabelecer equilíbrios, que lhe mantivessem a primazia que julgava ainda possuir.

Neste cenário havia actores secundários de primeira e de segunda grandeza. Contudo, todos consideravam que, à semelhança dos conflitos militares europeus do século XIX, este seria rapidamente resolvido, saldando-se por dois ou três meses de guerra. Não se imaginava a realidade a ser vivida durante quatro anos. E também os políticos portugueses alinhavam nessa ideia da celeridade castrense. Talvez essa certeza tenha determinado toda a euforia, todo o entusiasmo bélico que, nos primeiros dias de Agosto de 1914, deram lugar a ruidosas e alegres manifestações da população de Lisboa junto dos edifícios das embaixadas inglesa e francesa.

De Agosto a Dezembro ruíram os prognósticos de uma guerra de curta duração. A grandeza dos exércitos que se enfrentaram impediu-lhes o movimento e foi fixando os homens ao terreno. Fixando e levando-os a enterrarem-se para sobreviverem aos novos artefactos de combate que os paralisavam: a metralhadora pesada — já estava posta de lado essa máquina de disparar projécteis a elevada cadência, mas sem precisão de maior, conhecida por Nordenfelt, que a Maxim destronou com facilidade —, a metralhadora ligeira, as peças de artilharia de campanha com grande capacidade de sucessivos disparos, os obuses e os morteiros. No fundo, e ao cabo e ao resto, as novas possibilidades de fazer fogo sobre o adversário impediram o uso de uma força que, nas batalhas anteriores, sempre rompeu barreiras, por muito fortes que fossem: a cavalaria. Era pecaminoso e inútil desgastar esse aríete que baqueava sem contemplações face à concentração de projécteis que o inutilizava. E foi desta forma que, findou o ano de 1914, tendo-se verificado a transferência do terror do campo de batalha para as cidades não muito distantes dele por causa dos aviões germânicos que, incólumes, bombardearam Paris e Londres. Mas, no mar, os submarinos alemães foram afundando e desarticulando as capacidades comerciais dos britânicos e dos restantes adversários.

Ainda antes do meio do ano de 1915, se era certo que ao longo das trincheiras que se haviam aberto da costa atlântica à fronteira suíça, se combatia e morria por causa de uma outra arma — os gases tóxicos —, também se havia ganho consciência do peso da guerra nas retaguardas por causa da fome que se ia instalando nas cidades e vilas da Europa. Não interessava se se era beligerante ou neutro, porque a interdependência comercial gerada ao longo de séculos, tendo como suporte o transporte naval, estava desconchavada e as faltas alimentares eram grandes por todo o lado.
A juntar a este novo cenário, surgiu uma imprensa que subtilmente envenenava a opinião pública, levando a acreditar que muitos estranhos acontecimentos se deviam à acção de espiões acobertados por diversas actividades nem sempre fáceis de explicar. O vizinho com hábitos esquisitos era um espião, um inimigo ainda que se lhe conhecessem os antecedentes familiares mais remotos.

A guerra ganhou contornos aterradores, porque já não era só um assunto de soldados. Era um mal terrível que, de maneiras diferentes, envolvia toda a gente. Começou a ser, nesse ano de 1915, uma guerra total. E, como se verá a seu tempo, também o foi entre nós, mesmo quando ainda ninguém nos havia declarado ou imposto a beligerância.

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