A grande maioria dos cidadãos de todos os Estados europeus, no começo do
ano de 1914, pressentia que se vivia já no Velho Continente um clima de pré
guerra. E calculava-se que os grandes antagonistas seriam a Alemanha, a
Áustria, a Rússia, a França e a Grã-Bretanha. O conflito era previsível, face a
todos os indícios que provocavam tensões nas chancelarias das grandes capitais.
Era imaginável, pela enorme corrida económica que se vinha desenrolando, havia
mais de trinta anos, entre a Alemanha e o Reino Unido e o desejo de vingança dos
Franceses aquando da derrota imposta pelos Prussianos. A Alemanha unificada
havia-se tornado no grande desestabilizador europeu; a França no grande
acelerador de todas as desconfianças e a Rússia no grande potentado que
desejava chegar aos mares quentes do Mediterrâneo através dos Balcãs. A Itália
era a grande dúvida de todos, pois tanto poderia pender para o lado das
potências marítimas como para o dos impérios do centro. A Inglaterra jogava
entre a ameaça à Alemanha e a tentativa de estabelecer equilíbrios, que lhe
mantivessem a primazia que julgava ainda possuir.
Neste cenário havia actores
secundários de primeira e de segunda grandeza. Contudo, todos consideravam que,
à semelhança dos conflitos militares europeus do século XIX, este seria rapidamente
resolvido, saldando-se por dois ou três meses de guerra. Não se imaginava a
realidade a ser vivida durante quatro anos. E também os políticos portugueses
alinhavam nessa ideia da celeridade castrense. Talvez essa certeza tenha determinado toda a euforia, todo o entusiasmo bélico
que, nos primeiros dias de Agosto de 1914, deram lugar a ruidosas e alegres
manifestações da população de Lisboa junto dos edifícios das embaixadas inglesa
e francesa.
De Agosto a Dezembro ruíram os prognósticos de uma guerra de curta
duração. A grandeza dos exércitos que se enfrentaram impediu-lhes o movimento e
foi fixando os homens ao terreno. Fixando e levando-os a enterrarem-se para
sobreviverem aos novos artefactos de combate que os paralisavam: a metralhadora
pesada — já estava posta de lado essa máquina de disparar projécteis a elevada
cadência, mas sem precisão de maior, conhecida por Nordenfelt, que a Maxim
destronou com facilidade —, a metralhadora ligeira, as peças de artilharia de
campanha com grande capacidade de sucessivos disparos, os obuses e os
morteiros. No fundo, e ao cabo e ao resto, as novas possibilidades de fazer
fogo sobre o adversário impediram o uso de uma força que, nas batalhas
anteriores, sempre rompeu barreiras, por muito fortes que fossem: a cavalaria. Era pecaminoso e inútil desgastar esse aríete que baqueava sem
contemplações face à concentração de projécteis que o inutilizava. E foi desta
forma que, findou o ano de 1914, tendo-se verificado a transferência do terror
do campo de batalha para as cidades não muito distantes dele por causa dos
aviões germânicos que, incólumes, bombardearam Paris e Londres. Mas, no mar, os
submarinos alemães foram afundando e desarticulando as capacidades comerciais
dos britânicos e dos restantes adversários.
Ainda antes do meio do ano de 1915, se era certo que ao longo das
trincheiras que se haviam aberto da costa atlântica à fronteira suíça, se combatia e morria
por causa de uma outra arma — os gases tóxicos —, também se havia ganho
consciência do peso da guerra nas retaguardas por causa da fome que se ia
instalando nas cidades e vilas da Europa. Não interessava se se era beligerante
ou neutro, porque a interdependência comercial gerada ao longo de séculos,
tendo como suporte o transporte naval, estava desconchavada e as faltas
alimentares eram grandes por todo o lado.
A juntar a este novo cenário, surgiu uma imprensa que subtilmente
envenenava a opinião pública, levando a acreditar que muitos estranhos
acontecimentos se deviam à acção de espiões acobertados por diversas
actividades nem sempre fáceis de explicar. O vizinho com hábitos esquisitos era um espião, um inimigo ainda que se lhe conhecessem os antecedentes familiares
mais remotos.
A guerra ganhou contornos aterradores, porque já não era só um assunto de
soldados. Era um mal terrível que, de maneiras diferentes, envolvia toda a
gente. Começou a ser, nesse ano de 1915, uma guerra total. E, como se verá a seu tempo, também o foi entre nós,
mesmo quando ainda ninguém nos havia declarado ou imposto a beligerância.
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